A Dor que Fala, a Dor que
Cala...
“Dor.. que sensação é essa que me faz ninguém
perante a vida, perante o mundo, perante o mensurável e o imensurável? Nesse
instante não sou nada, não tenho nada. Sou o que puder curar. Sou o que a vida
puder sanar. Sou um ai no ar.”*
A dor insiste em falar
quando queremos que ela se cale e adormeça.
É algo que se impõe sobre
nós de maneira inesperada e contra o controle de nossa vontade.
Aguda ou crônica, quente ou
fria, pontual ou generalizada, em movimento ou repouso, não importa... é sempre
uma experiência sensorial subjetiva, individual e desagradável.
Neste
texto, vamos trabalhar sobre o significado simbólico da dor.
Vamos
lá ?
Vamos
começar utilizando termos um pouco mais formais para definirmos dor. Ela é
considerada como supersistema neuro-endocrino-imuno-comportamental, onde
encontramos a estrutura de um sistema tripartite composto por variáveis emocionais, cognitivas e
sensoriais que estão envolvidas no processo.
Pressupõe
sempre um substrato fisiológico, oriundo de um processo inflamatório de maior
ou menor gravidade. É neste âmbito que a farmacologia procura intervir.
Mas pela
própria definição de dor, já podemos inferir que uma abordagem unilateral terá
poucas chances de ser bem-sucedida. Então, acredito que para o tratamento ou o
gerenciamento de algo tão complexo como a Dor, temos que lançar mão da
abordagem Integrativa da Medicina.
Segundo
o Dr. Paulo Tarso de Lima, a Medicina Integrativa foca numa abordagem orientada
para um sentido mais amplo de cura, que visa tratar a pessoa em seu todo:
corpo, mente e espírito. Um dos princípios básicos é trazer o paciente como corresponsável
por seu processo de cura, enfatizando a relação médico-paciente, vindo numa
linha contrária do que percebemos em nossa prática cotidiana ao nos utilizarmos
dos serviços médicos. Além disso, a Medicina Integrativa combina tratamentos
convencionais e terapias complementares cuja a segurança e eficácia tenham sido
cientificamente provadas.
Essa
modalidade estabelece que a boa medicina é a que utiliza todos os tipos de
terapias consagradas cientificamente, sejam elas oriundas da medicina
convencional ou de sistemas médicos tradicionais. Ela visa abordar a pessoa em
seu todo, incluindo os
aspectos do estilo de vida, enfatizando as relações terapêuticas entre o paciente e o médico.
aspectos do estilo de vida, enfatizando as relações terapêuticas entre o paciente e o médico.
Então
aqui, abre-se portas para falarmos de Yoga, Meditação, Acupuntura, Florais,
etc.
Mas,
até em função da minha formação e do meu objetivo com este texto, quero abordar
Dor sob um olhar simbólico. Então vou começar pelo significado psicológico da
dor.
Então,
vamos seguir...
Em
termos psicológicos, a dor movimenta em nós a necessidade de amparo, como um
grito de ajuda para algo que nem sempre conseguimos entender.
Sua
mensagem é a da sensação de que algo está faltando, apertando, oprimindo,
queimando, falhando... A dor parece
ter um vocabulário próprio que, (...), no humano, multiplica-se em
experiências, vivências e representações muitas vezes inefáveis.
Ela é
absolutamente subjetiva e individual e, ao mesmo tempo, pertence a todos,
porque universal. Neste sentido, a dor nos equaliza como indivíduos e como
buscadores de conhecimento. Não tem um
domínio que lhe pertença, faz parte da sociologia, da psicologia, da medicina,
da antropologia, do esporte, do acadêmico, do cotidiano, do cartesiano, do
vibracional.
Seja como
for, a dor é, para o nosso corpo, sempre uma resposta a uma ameaça e tem sempre
uma história, um caminho percorrido que envolve uma manifestação fisiológica
num corpo físico. Corpo, veja bem, que é muito mais do que uma coleção de
órgãos e, acima de tudo, uma linda estrutura simbólica, a partir da qual
aprendemos muito sobre nós mesmos.
“É
importante destacar que não é um corpo que sente e vive a dor, mas um sujeito
para quem ela se torna uma realidade concreta e, por vezes, implacável, que é
perpassada por problemas cotidianos como as relações conjugais, familiares e de
trabalho, as questões de gênero e trocas sociais”, nos diz a autora da tese
sobre a qual baseio este texto.
Assim, é
fundamental que o ser que vivencia a dor consiga dar um significado a ela, do
contrário, subjetivamente, ela continuará parecendo como algo separado,
estranho, alheio a nossa vontade, dotado de vida própria, como o “bicho-papão”,
“o homem do saco” que nos assustam e roubam nossa segurança de estar no mundo.
Nosso corpo reflete diretamente nossa vivência sociocultural
absorvendo seus símbolos, seus arquétipos, seus preconceitos, suas sombras,
seus conceitos. Ora, se a dor é sentida no corpo, torna-se lógico que a dor
virá carregada destes significados impressos e vivenciados no eixo
indivíduo-sociedade.
Portanto, “a dor faz
parte de um emaranhado de características vividas e produzidas por um grupo
específico. A categoria da dor é uma representação coletiva que reverbera em
uma consciência individual, inconscientemente reconstituída histórica e
socialmente. Os indivíduos apreenderiam os significados culturais da dor antes
mesmo de vivenciar toda e qualquer dor, como uma categoria implícita e
inconsciente construída socialmente em um tempo e em um espaço específicos.”
A forma como
vivenciamos a dor pode já ser modelada nos primórdios da vida intrauterina, já
após a 22ª semana de vida, passando posteriormente, pelo que aprendemos com
nossos pais em termos de representação, amparo e gerenciamento da dor até
chegarmos em nosso atual crônico estado social de ansiedade.
A ansiedade
é reconhecidamente um fator que contribui para o aumento da dor percebida.
E ainda
podemos falar na “dor lancinante, dor de ver o tempo passar e dor da alma. A
dor lancinante é a que aflige, provoca pontadas agudas, formigamento, tormenta.
É a dor da separação, a recordação de um sofrimento, relacionada a uma situação
de inconformismo, como algo que não se materializa, que se sonha e não se
atinge. A dor da alma que expressa a complexidade da dor do sujeito, não pode
ser diagnosticada, não pode ser dimensionada. Dor da alma implica sofrimento, é
algo que não se pode tocar”
“A dor é
sentida e dita aos pedaços, construída pela linguagem objetiva, por um jogo
mímico, dismórfico, que tenta contar uma história. Uma trágica história. A dor
é sentimento e ao mesmo tempo personagem. Descrevê-la ou ainda transcrevê-la
torna-se tarefa injuriosa. A dor excita e perfura o aparelho psíquico e, quanto
mais avassaladora, mais quebra as barreiras de contato, produzindo uma palavra
já anteriormente inscrita no psiquismo. Dor e angústia são os antigos
sentimentos de desconforto ou mal-estar que, de alguma forma, buscam
representações psíquicas que reverberam, inicialmente, no corpo”.
Fato é que existe estreita
relação entre dor, medo e a ansiedade decorrente dos processos subsequentes. É um
modo de expressar nossos sentimentos não-reconhecidos aos outros. “Talvez se
colocar minha dor no corpo e me paralisar de fato, quem sabe... serei ouvida e
receberei afeto, o afeto que tanto preciso, porque me sinto só no mundo”.
É a dor do vazio de não se sentir
olhado, acolhido. É a dor de não se perceber com recursos para se acolher a si.
Ela nos remete a nossas experiências mais primitivas de desamparo,
principalmente nos casos em que não se detecta lesão orgânica, não obstante, sensações
corporais insistam em existir.
O meu corpo me representa e fala
de mim, fala por mim. Lógico, meu corpo é o meu princípio de vida. Foi apenas a
partir dele que passei a existir e por isso, conta a minha história vivida: “A
agonia, a raiva, perturbação e o descontrole (...) são quase uma réplica
empobrecida do que parece ter marcado a história e definido a identidade dessas
usuárias ao nomear a dor”, nos diz a autora em sua tese.
E ela continua “Carvalho afirma
que, na verdade, não há como estabelecer a diferença entre dor psíquica e
somática, porque, quando a dor é sentida, é no corpo e com o corpo que ela se
manifesta, constituindo a unidade com a psique. É uma dor, entendida como um
sofrimento extremo de um tipo incompreensível, uma grande aflição”
Sentir dor é informar ao ego
sobre a existência de um corpo onde afloram sensações e emoções com
possibilidade de descrição. E é aqui que o jogo pode mudar!
Sua dor não existe à toa. Ela tem
uma mensagem que precisa ser ouvida.
Um beijo grande.
O
artigo de hj foi baseado na tese de Moraes, numa linguagem mais coloquial e,
para quem quiser consultar o texto completo, segue o link abaixo:
http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/19901/1/2015_JosenaideEngraciadosSantos.pdf