segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Depressão: um caminho de retorno a si mesma


Desde novembro e, mais fortemente em dezembro de 2018, venho vivenciando - novamente - o estar em depressão. Letargia, condenação constante, sensação de falta de propósito na vida, inadequação, tristeza crônica, impotência diante dos desafios, problemas que parecem insolúveis, desamparo, solidão.
O fechar-me em mim mesma é algo típico destes momentos, com os pensamentos constantemente no passado longínquo das histórias da minha vida.
O humor é oscilante ao longo do dia, ora consigo, ora não consigo o que quer que me proponha e a sensação de peso e pesar é uma constante.
Sei que, estatisticamente, não estou sozinha. A depressão vem sendo considerada uma pandemia.
Segundo a OPAS, Organização Pan-Americana da Saúde,
“A depressão é um transtorno mental frequente. Em todo o mundo, estima-se que mais de 300 milhões de pessoas, de todas as idades, sofram com esse transtorno.
A depressão é a principal causa de incapacidade em todo o mundo e contribui de forma importante para a carga global de doenças.
Mulheres são mais afetadas que homens.
No pior dos casos, a depressão pode levar ao suicídio. Cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano - sendo essa a segunda principal causa de morte entre pessoas com idade entre 15 e 29 anos.
Existem vários tratamentos medicamentosos e psicológicos eficazes para depressão. 
Um episódio depressivo pode ser categorizado como leve, moderado ou grave, a depender da intensidade dos sintomas. Um indivíduo com um episódio depressivo leve terá alguma dificuldade em continuar um trabalho simples e atividades sociais, mas sem grande prejuízo ao funcionamento global. Durante um episódio depressivo grave, é improvável que a pessoa afetada possa continuar com atividades sociais, de trabalho ou domésticas.
Uma distinção fundamental também é feita entre depressão em pessoas que têm ou não um histórico de episódios de mania ( euforia, onipotência ). Ambos os tipos de depressão podem ser crônicos (isto é, acontecem durante um período prolongado de tempo), com recaídas, especialmente se não forem tratados.
·         Transtorno depressivo recorrente: esse distúrbio envolve repetidos episódios depressivos. Durante esses episódios, a pessoa experimenta um humor deprimido, perda de interesse e prazer e energia reduzida, levando a uma diminuição das atividades em geral por pelo menos duas semanas. Muitas pessoas com depressão também sofrem com sintomas como ansiedade, distúrbios do sono e de apetite e podem ter sentimentos de culpa ou baixa autoestima, falta de concentração e até mesmo aqueles que são clinicamente inexplicáveis.
·         Transtorno afetivo bipolar: esse tipo de depressão consiste tipicamente na alternância entre episódios de mania e de depressão, separados por períodos de humor normal. Episódios de mania envolvem humor exaltado ou irritado, excesso de atividades, pressão de fala, autoestima inflada e uma menor necessidade de sono, bem como a aceleração do pensamento.
A depressão é resultado de uma complexa interação de fatores sociais, psicológicos e biológicos. Pessoas que passaram por eventos adversos durante a vida (desemprego, luto, trauma psicológico) são mais propensas a desenvolver depressão. A depressão pode, por sua vez, levar a mais estresse e disfunção e piorar a situação de vida da pessoa afetada e o transtorno em si.
Existem tratamentos eficazes para depressão moderada e grave. Profissionais de saúde podem oferecer tratamentos psicológicos, como ativação comportamental, terapia cognitivo-comportamental e psicoterapia interpessoal ou medicamentos antidepressivos.
Os provedores de saúde devem ter em mente a possibilidade de efeitos adversos associados aos antidepressivos, a possibilidade de oferecer um outro tipo de intervenção (por disponibilidade de conhecimentos técnicos ou do tratamento em questão) e preferências individuais.
Entre os diferentes tratamentos psicológicos a serem considerados estão os individuais ou em grupo, realizados por profissionais ou terapeutas leigos supervisionados.”
Em termos psicanalíticos, a depressão envolve sempre uma perda amorosa não-elaborada.
O que quero compartilhar com vocês neste texto é um ponto vista de profissional da saúde que está passando por esse grande laboratório de autoconhecimento que é a depressão.
Vamos lá ?

Ao iniciar as pesquisas sobre o tema, deparei-me com este trecho da tese de Parisi.
“Sempre tive dificuldades com separações e despedidias. E tive muitas. Não posso dizer que tenham sido excessivas marcas por eventos trágicos ou perdas precoces. Suponho que tenha tido uma boa parcela de separações, como todo mundo depois de uma certa idade, creio. Algumas mortes. Essas exigindo despedidas irreversíveis. Já fui casada, descasei. Namorados, vários. Separações desejadas, indesejadas, tristes. As rupturas de vínculos tão frequentes na vida das pessoas, sempre tiveram um sabor amargo para mim. Doía, doía, depois... passava... mas a dificuldade para lidar com a separação foi uma tônica sempre presente. Desgrudar, deixar o outro partir, sabor de falta e de ausência calavam fundo. A sabedoria budista do desapego ( privilégio daqueles que entenderam carnalmente que nada é permanente ), embora desejada, nunca era alcançada.”
Eu me percebi descrita nestas palavras. Mais à frente, diz que o tema de sua pesquisa de doutorado tinha sido o caminho que o Self estava lhe oferecendo para que pudesse lidar com esta questão em seu percurso de vida. E mais uma vez, percebi-me em terapia aqui, através da alquimia que suas palavras puderam operar em mim.
Em consultório, tenho me encontrado mulheres em depressão...
Mais do que uma frequência que pode ser facilmente explicada pelas estatísticas, prefiro escolher aprender com o olhar de Parisi: um caminho que o Self está me oferecendo para que eu lide com a minha própria depressão.
Essa é uma percepção que embora muito doída e também emponderante, porque criativa, por isso arquetípica, diversa e, para mim, uma conversa pela qual minha Alma anseia por dialogar.
E é este diálogo que quero, e preciso, estabelecer entre nós ( você e eu ).

A abordagem psicanalítica Junguiana é basicamente uma abordagem de Psique através de arquétipos, utilizando-se a mitologia como ponte de acesso dinâmico a eles.
Arquétipos, inconsciente pessoal, inconsciente coletivo, Self e ego são conceitos fundamentais e estruturantes dessa abordagem. Assim, quando olhamos para algum tema tomando empresatado o olhar de Jung, falamos em deuses e deusas, não necessariamente com uma conotação religiosa, mas certamente com a sacralidade que este processo exige.
Então, já adivirto que falarei em deuses e deusas, não obstante, vivamos numa cultura religiosa predominantemente patriarcal de um único Deus-Pai-masculino. OK ?

Bem... isto posto... vamos avançar aqui.

A depressão é um lugar de mundo sombrio, escuro, cinza. Não há representação simbólica da depressão que seja multicolorida e brilhante, não... é sempre infernal, isolada, separada, infértil.
Em nossa cultura ocidental, tudo o que é relacionado ao reinado do escuro é percebido como diabólico, ruim, uma vez que está imbuído de um julgamento moral dicotomizante ( bem e mal ).
Neste sentido, a depressão ganha então o status de algo muito ruim, um estado do qual precisamos nos livrar e, de preferência, rapidamente. Não estou dizendo aqui que devamos “curtir” a depressão, venerá-la, romanceá-la, idolatrá-la e permanecer nela indefinidamente... Ah, certamente que não... Esta visão seria tão paralisante e dicotomizante quanto a visão de bem/mal.
Mas quero dizer que os mergulhos no mundo sombrio podem ser vivenciados como potencializadores de um absoluto poder criativo, se nos permitirmos ser conduzidos por nosso incomensurável Self ( centro regulador de nosso inconsciente individual ).
O chamado deste Self acontece muito intensamente na maturidade, e arrisco-me a dizer, em tempos de regência de Saturno ainda mais. Parênteses aqui para explicar: Saturno é arquetipicamente conhecido como o senhor da autorresponsabilidade, é um grande cobrador que nos exige sermos nossa potência individual. Essa cobrança é doída, é contraída, é opressora para quem insiste em não se ouvir ( eu levanto a mão aqui e digo: presente ! ). Astrologicamente, inciamos em 2017 um período de 35 anos de regência saturnina, coordenando todas as regências anuais até 2052.
Essa travessia de 40/50 anos pode ser marcada por algum tipo de crise, além das questões corporais típicas ( menopausa, andropausa, por exemplo ). Separações, doenças gravíssimas, filhos crescidos, perda de emprego, aposentadoria para alguns, etc...
As crises necessariamente nos fazem olhar para o não-vivenciado, embora parte integrante do nosso ser e esse é o pulo-do-gato: reconhecer o dissociado, caminhar através dele e abraça-lo como num reencontro há muito desejado ( de certa forma o é ).
Mas como fazer para que essa dolorosa experiencia de individuação exigida pelo processo depressivo possa gestar o novo “eu mesma” ? Quais recursos de nossa Psique devem ser mobilizados para isso ? Que Alquimia é essa que precisamos operar ?
O desenvolvimento psíquico feminino
Na minha própria história família e pessoal e na história de algumas mulheres que acompanhei, há uma linha mestra caracterizada pela identificação com o clã-materno e uma certa hostilidade em relação ao masculino, com homens sendo vistos como estrangeiros/invasores. Esta, segundo a visão junguiana do desenvolvimento psíquico, é uma etapa natural e inicial do desenvolvimento de psiquê. Não é difícil imaginar que seja mesmo assim uma vez que nossa formação, tanto física e como psíquica, inicia no útero materno.
Acompanhando a gradativa independência biológica, cujo principal marco inicial é o nascimento, há que se ter a gradativa autonomia psíquica ao estabelecermos o contato com o outro não-mãe ( pai, cuidador, escola, por exemplo ). A maneira como esta transição vai se constintuindo – com maior ou menor grau de ansiedade – vamos também registrando formas com as quais contaremos para fazer as próximas transições em nossa vida afora.
Faz parte do processo de amadurecimento o deixar um certo tipo de segurança conhecida e nos aventurarmos floresta adentro, como nos ensinam diversas personagens de contos, das quais Branca de Neve talvez seja a mais conhecida.
Uma vez fora de casa e uma vez dentro da floresta, não haverá outra alternativa se não a de descobrirmos novos recursos para lidarmos com essa nova etapa de nossas vidas, já que os antigos métodos conhecidos já se provaram insuficientes para assegurar nossa sobrevivência.
E é exatamente nesta tomada de consciência inicial que o processo criativo tem seu gatilho disparado.
A adolescência deveria ser, a priori, uma fase importante com ritos de passagem coerentes e iniciáticos para a fase adulta.
Na adolescência, há o caminhar pelo desligamento do que se representou pai e mãe durante os anos anteriores para que novos modelos possam ser aprendidos e novos olhares sobre o mundo possam ser formados. Neurológicamente o cérebro ainda está muito aberto a mudanças e novas conexões, dado que seu processo de desenvolvimento vai até os 21 anos de idade, aproximadamente.
Afetivamente, não há necessidade de se abdicar do pai ou da mãe nesta fase, mas sim de ampliar as possibilidades de “pai e mãe”, enquanto figuras de cuidado, afinal, o adulto é aquele que aprendeu a cuidar de e assumir a responsabilidade por si realizar os próprios potenciais enquanto indivíduo.
Arquetipicamente estamos falando de ampliar o contato com a Grande-Mãe e com o Grande-Pai. Não há processo de individuação ( tornar-se si-mesmo ) sem ampliação da consciência. Na medida em que insistimos em preservar o protegido conhecido, insistimos também em nos manter restritos a um ego mais adaptativo do que vivenciado em si e não passamos de pálidas imagens do que realmente poderíamos ser se nos arriscássemos a caminhar pela floresta.
Explicando um pouco melhor: durante o início de nossa vida, muito do que somos é construído sobre um esforço adaptativo ao contexto encarnatório ( sexo, família, sociedade, cultura, etc. ), sem necessariamente considerar nossa essência nesse processo. Não somos socialmente evoluídos a esse ponto ainda, não obstante, haja claros esforços neste sentido.
Sob este ponto de vista, a depressão pode ser entendida como esse grito de alerta de nosso Inconsciente para que entremos nesta jornada do eu que aceita o caminho do herói/da heroína para passar a viver mais em aderência com o centro de sua totalidade ( Self ).
A depressão então, independente do fato de se tomar ou não antidepressivos, exige imperiosamente que se experimente novas formas e novos recursos escondidos na sombra.
E quem melhor do que deusas negras para nos ajudar a enxergar na escuridão?
Temos Hecate, Kali, Lilith, Baba Yaga, Morrigan, Ishtar e Inana também. Inana é uma deusa da guerra, do amor sexual e da fertilidade na mitologia suméria. A essência de sua história é a de quem vai intencionamente ao submundo para encontrar sua irmã sombria, Eriskgal.
O trecho a seguir foi escrito e publicado por Sylvia Perera em seu Blog O Feminino e o Sagado.

“Inana resolveu um dia descer ao Mundo Inferior, onde reinava sua irmã Ereshkigal, a rainha do Grande Abismo. Ereshkigal fica furiosa com a invasão e insiste então que Inana seja tratada de acordo com as leis e os ritos a que todos estão sujeitos quando adentram seu mundo: que seja trazida a sua presença nua e curvada.

A descida ao Mundo Inferior exige a travessia de sete portais, cada um cuidado por um guardião.
Eles cumprem as ordens de Ereshkigal e cada vez que Inana passa por um portal é despojada de algo: primeiro de seus adereços, depois de suas joias, em seguida de suas vestes, até chegar totalmente nua ao último e mais profundo dos portais. Fazem-na se curvar e assim ela é levada a Ereshkigal, que pede que sete juízes a julguem pela invasão. Inana é condenada à morte. Ereshkigal mata Inana e pendura seu corpo num poste. Lá ela permanece por três dias.
Enki, o Deus das Águas, fica com pena de Inana e resolve salvá-la: modela dois seres carpidores bem pequenos que entram no Mundo Inferior sem serem notados, levando com eles a Água da Vida.
Chegando lá, veem Ereshkigal cheia de desespero e tristeza, chorando copiosamente porque seu marido havia morrido. Compadecidos, eles se põem a chorar com ela. Comovida com a empatia dos dois, ela lhes entrega o cadáver de Inana e eles, com a Água da Vida, ressuscitam-na.
Ereshkigal diz à Inana que ela pode voltar ao Mundo Superior, mas terá de mandar alguém para substituí-la. Para garantir que sua ordem será cumprida, sete demônios a acompanham. Inana começa então sua subida. Passando novamente por cada um dos sete portais, vai recuperando suas roupas, suas joias, seus adereços e chega finalmente ao Mundo Superior.
Lá, tem de cumprir a ordem de Ereshkigal e achar um substituto para enviar à irmã. Não consegue escolher ninguém, pois vê que todos choraram sua morte. Encaminha-se, assim, para seu palácio sem saber o que fazer. No entanto, vê ali, sentado em seu marido Dumuzi, que não havia sentido nada com sua morte. Então olha-o com o olhar mortífero de Ereshkigal, e os demônios o agarram.”
Há nesse mito um feminino que se permite vivenciar o que precisa ser despojado, abandonado enquanto máscara não mais coerente com a vivência que se quer/precisa ter. É um feminino que se permite integrar vida E morte, nas sábias palavras de Parisi.
O processo de transformação de nossos padrões depressivos passa necessariamente por reconhecer o padrão, aceitação do sofrimento ao invés de negar a sua existência, sairmos do papel de vítima no processo, responsabilizarmo-nos por nossas escolhas e, finalmente, apropriarmo-nos do poder inerente ao que está na sombra.
Você consegue perceber essas etapas na jornada de Inana ?
Ela escolheu empreender a descida entendendo ser a única saída, não obstante exigisse o desenvolvimento de  coragem e disciplina, objetividade e a capacidade em lidar com a agressividade feminina.
Inana escolheu descer, abriu mão de atributos externos, desnudou-se do que não parecia essencial para sua jornada, permitiu-se morrer na escuridão do submundo. Em latência, aspectos curativos foram acionados e maravilhosamente simbolizados por um processo de não resistência do ego, insidioso e aquático. Houve a volta ao útero da Grande-Mãe?
Sim... mas para quê? O encontro com a Deusa sombria é o encontro com o instintivo em nós, um instintivo profundo da grande força de preservação da vida que na unilateralização patriarcal foi relegado a escuridão.
Você consegue entender o significado da depressão ?
Mas um alerta: mitologicamente, o mundo das sombras é chamado de o mundo de onde não se retorna, sinalizando claramente o risco de se permanecer por tempo demais no mundo congelado da escuridão. É aqui que as depressões mais graves se desenvolvem. É o nigredo alquímico, a matéria prima de nossa psique em permamente estado caótico e difuso.
Apodrecer pendurada no poste é esse nigredo, é essa sensação que temos de sermos difusas, sem escolhas, limites, personalidade, sem pele, esparramadas. São sensações pré-verbais só exprimíveis por imagens. Não fazem parte do mundo lógico, iluminado da consciência.
É o sacrifício imposto ao processo de transformação.
Mas Inana, sabiamente, antes de descer ao mundo sombrio, dá instruções a sua serva para que, se não voltasse em três dias, procurasse ajuda junto aos deuses. E de fato, há uma parte do ego que precisa permanecer no mundo superior enquanto a outra desce ao submundo.
Uma parte de nós pede ajuda porque sabe que a empreitada é por demais desafiadora. A serva de Inana é nossa família, nossa psicoterapia, nosso diário, nossos filhos, nossa arte, nossa dança, é qualquer sistema de apoio que nos mantenha minimamente conectados com a luz do sol enquanto caminhamos em nosso mundo lunar.
Enki, deus das águas, envia carpidores assexuados para ajudar Inana. Em sua empatia, eles choram com Ereshkigal que então lhes devolve o cadáver de Inana.
Aqui as marcas doídas da alma são reconhecidas e respeitadas enquanto tal. São ritualizadas no choro, na costura da colcha de retalhos, nos pedaços de massinha que sobram e para os quais escolhemos dar uma nova forma. Sim... ao colocarmos nosso corpo no processo e não apenas nossas mentes, integramos um aspecto lúdico e não-racional ao processo, dando-lhe profundidade psíquica e poder transformacional.
Inana é ressuscitada e é dada a permissão para que volte ao mundo superior, passando novamente pelos sete portais. Mas há um preço a pagar. Alguém deve tomar o seu lugar.
O que permanecerá no mundo sombrio? Agora, Inana pode escolher o que ficará nas sombras! O que não me serve mais aqui ? O emponderamento da escolha consciente começa a se fortalecer...
Inana procura... procura... sem nada encontrar. “Encaminha-se, assim, para seu palácio sem saber o que fazer. No entanto, vê ali, sentado em seu marido Dumuzi, que não havia sentido nada com sua morte. Então olha-o com o olhar mortífero de Ereshkigal, e os demônios o agarram.”
Para encerrar esse texto-encontro, quero deixar para vocês um exercício de imaginação dirigida*, de modo que você possa ancorar seu Self em bases mais sólidas depois de banhá-lo em águas deliciosamente curativas:
Você poderá ritualizar este processo da forma como achar mais importante para você, com velas, incenso, aromas, sons, etc.
Deite-se de forma confortável e inicie o aprofundamento de sua respiração.
A medida em que aprofunda sua respiração, preste atenção em seu corpo e acomode as partes que estiverem desconfortáveis até que se sinta como que afundando no chão.
Imagine então que você está na Natureza e camihando em direção a uma floresta.
Curiosa, você entra nesta floresta e começa a observar sons, cheiros, a sombra das árvores.
Gradativamente, a floresta silencia e você permanece com sua escuta interna de suas emoções e externa, de tudo o que circunda você.
Ao caminhar, você avista uma cachoeira. Você a observa, observa seu movimento, observa sua força.
Você se aproxima e começa a tirar suas roupas e tudo o mais que não é necessário para entrar nessa água que parece límpida e revigorante.
Ao banhar-se nas águas dessa cachoeira, você permite que seus pesos, suas tristezas, suas frustrações, suas dores sejam também banhadas e levadas de si.
Aos poucos, você começa a perceber que uma deliciosa sensação de alegria, vigor e vivacidade vai tomando conta do seu corpo. O brilho nos olhos é perceptível. Sua alma está sendo curada por essa água sagrada de Mãe-Gaia.
Revitalizada, você se percebe pronta para sair e se secar. Perceba como se sente agora.
Demore-se nessa sensação tempo suficiente para perceber-se pronta para vestir-se novamente. Vista-se ritualisticamente, detalhe por detalhe, lentamente. Permitindo-se deixar o que não te faz mais sentido trazer consigo.
E neste processo, você percebe que uma mulher te observa. Uma mulher que sempre existiu, na memória dos tempos. Observe-a bem e observe também o que vc sente em sua presença.
Gradativamente um diálogo estabelece-se entre vocês duas. Que diálogo é esse ? o que ela te diz ? O que vc diz a ela ? Vc tem algo a entregar a ela ? O que ela transmite a você.
Essa mulher quer te entregar algo. O que é ? Vc consegue visualizar ? como vc recebe o que ela quer te dar ?
Muito bem... agora chega o momento de vcs se despedirem. Sua caminhada precisa continuar. Mas guarde com vc a lembrança deste momento e traga com vc aquilo que ela te deu.
Caminhe de volta para sair da floresta, retorne gradativamente para seu corpo, espreguice-se lentamente e vagarosamente abra seus olhos.
Vc está aqui e agora.
Para finalizar, faça alguma coisa em pintura, argila, ou desenho que simbolize o presente que vc recebeu e volte a este lugar/momento sempre que vc precisar.

Um beijo grande e obrigada por estar aí deste lado !
Salma

*Parisi, Silvana – Separação Amorosa e Individuação Feminina; Tese de Doutorado apresentada em 2009, Instituto de Psicologia da USP.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Fibromialgia: a criança apavorada e congelada no passado


Durante o ano de 2017, tive o privilégio de trabalhar com uma paciente portadora de fibromialgia.
Hj, quero compartilhar esta jornada com vcs.



Ermínia, nome fictício dado à paciente, estava com 57 anos de idade quando me procurou. Solteira, funcionária pública aposentada, residia sozinha em seu apartamento em São Paulo.

Diagnosticada com fibromialgia, sentia dores terríveis no corpo, principalmente em dias frios. Nestas ocasiões, era preciso uma hora para que conseguisse levantar-se da cama.

Líder nata, mente ágil e muito inteligente, não conseguia ter em seu corpo físico, a mesma agilidade de seu corpo mental.

Uma de suas queixas era a de que não conseguia limpar seu apartamento, apesar de perfeccionista. Ouvindo sua história de vida, a coerência simbólica entre sua vida e a limpeza/sujeira do apartamento ia ficando cada vez mais coerente.

A nossa psique desprovida da capacidade criativa favorece a doença manifestada no corpo físico, nos diz Betty Fontes, prefaciando o livro “Arteterapia e o Corpo Secreto”.  Há uma alquimia a ser construída e operada dia-a-dia paciente e disciplinadamente, como em banho-maria, para que possamos redescobrir a verdadeira natureza no corpo adoecido: a Sagrada. A natureza do Infinito Espírito que escolheu o corpo de Gaia como forma de operacionalizar essa construção do Si Mesmo.

Nosso corpo físico tem a maravilhosa linguagem do não-julgamento, uma linguagem que vem como bálsamo para nosso processamento mental torturante. O corpo simplesmente está, ele simplesmente é. Ele existe no nível mais concreto da existência e é através dele e, somente através dele, nesta dimensão, que podemos dar corporeidade aos nossos sonhos. Não há realização sem corpo. Então, no que se refere à polaridade saúde/doença ele é o nosso professor mais óbvio. Repare em suas sensações corporais quando vc sorri e perceba seu corpo na raiva. O que me diz? O corpo visível é o mesmo, mas o invisível, bioquímico é completamente diferente. E é deste corpo invisível, porém perceptível e “escutável” que quero trazer aqui para nossa conversa.

Nosso corpo é o nosso lar, é onde vivemos e a partir de quem aprendemos a viver, desde quando éramos um bebezinho no útero de nossas mães.

“As experiências vividas deixam sinais em nosso corpo que ficam em estado de latência, de forma que algo acontecido há muito tempo possa ser revivido como se houvesse acabado de acontecer. Dessa forma, deixamos de viver simplesmente o momento presente, fixados que estamos ao passado por meio desses registros” e que não se movimentaram, nos diz Irene Arcuri, autoria do livro que citei mais acima.
“Os sinais assim deixados no cropo podem ser comparados a feridas antigas, não-cicatrizadas, que dão origem a doenças piscossomáticas, o que impede um desenvolvimento” do Ser em Si.

A paralisia de nossos pensamentos e nossos sentimentos em torno de temas únicos que se repetem num looping enlouquecedor ganha concretude na paralisia de nossos músculos, congelando nossos movimentos corporais, numa eterna e irônica brincadeira de “estátua”. Congelamos nossos corpos no terror da ameaça. É uma reação de defesa e preservação da sobrevivência que compartilhamos com nossos colegas do reino animal.

Em várias sessões de atendimento, Ermínia tinha a percepção de faixas apertadas atando suas pernas, como se estivesse sendo mumificada. Veja a profundidade dessa imagem simbólica. O impedir-se de caminhar na Terra, do ir de lá para cá e de cá para lá, a impossibilidade do atuar no mundo. A imagem associada de algo sem vida: sendo mumificada. Morta em vida. Não à toa. Ermínia vivenciou espisódios terríveis com seu pai, extremamente violento e abusivo sexualmente. Sim. Ermínia havia sido violentada sexualmente pelo próprio pai.

A fibromialgia carregava de maneira crônica essa simbologia da paralisia no terror. Ermínia era um ser-objeto. Objetos não se movimentam, certo? E nosso sistema musculo-esquelético é ator principal em nossa movimentação no mundo. Nada mais lógico do que travar esse sistema, assim, continuo objeto.

Diz Arcuri: “O corpo que não ‘fala’ está aprisionado em suas tensões, que provocam deformações, e fica com a energia ‘estagnada’, pois esse processo geralmente é inconsciente. É como se a alma ficasse prisioneira num corpo trancado, rígido e sua tentativa de libertação poderia ser chamda de ‘doenças’.”

Doenças são gritos da sua alma que se sente aprisionada por padrões que em nada tem a ver com a sua essência. E é aqui, extamente aqui, que reside toda a beleza do processo criativo da cura.

Vamos entender que apesar de biologicamente uma doença física ser estatisticamente igual a todas as outras com o mesmo conjunto de sintomas e aspectos descritivos e evidências, o seu significado é bem diferente de pessoa para pessoa. A doença orgânica normalmente tem uma finalidade e um significado singulares, geralmente nos mostrando aquilo que nos falta, aquilo que está escondido naquilo que chamamos de sombra. Sombra aqui é um termo que está sendo usado como potencial de recursos que, por estarem no escuro, não conseguimos ter acesso direto, assim, “por meio do corpo, todo sintoma força o ser humano, apesar de seus esforços em contráro, a manifestar alguns dos princípios que, deliberadamente, havia optado por não viver, isso estabelece o equilíbrio” ( Dethlefesen e Dalke em A doença como caminho ).

A Psicologia nos diz que a construção do significado de nossos corpos começa antes mesmo de nossa concepção. Começa nas expectativas funcionais ou disfuncionais que o inconsciente de nossa família modela holograficamente e que permeará nosso lugar no mundo. Na medida em que vamos crescendo, famos também adqurindo, de alguma forma, consciência da diferença entre a expectativa familiar projetada sobre nós e aquilo que nossa Essência deseja para si ( nossos sonhos de criança, motivos que fazem nosso coração pulsar, os olhos brilharem, a sensação de que expandimos e conversamos com a Vida ).

Lógico é que corremos o risco que não conseguirmos romper com esse programa que nos é dado e ficamos fixados à imagem que nossa família tem de nós.

Tanto na fibromialgia, como na DTM ( Disfunção Temporo-Mandibular ), ambas doenças que atingem o sistema musculo-esquelético, a imagem projetada é a do perfeccionismo. Não há nada mais congelante, anti-criativo e desprovido de movimento do que o perfeccionismo. As pernas, envoltas em faixas, são remodeladas a partir de aspectos externos e exteriores, uniformizadas, sem suor, sem pulsação, sem expressão. São pernas que ficam encaixadas, assim como nossa alma o fica no perfeccionismo.

A depressão, normalmente associada à essas doenças, traz a simbologia do afeto reduzido, do viver aquém do que se é verdadeiramente capaz, é a condenação de se viver aquém do próprio potencial. Lógico! Potência é algo da Alma, é algo absolutamente Individual. Não é do perfeito pasteurizado-encaixado-empacotado-enfaixado-mumificado.

No entanto, o perfeccionismo não é algo que simplesmente tiramos de nós e jogamos fora. Há um outro caminho para lidarmos com ele: o da criação a partir dele.

Ao criarmos algo, nossa Alma é colocada em movimento, empurrando nosso corpo físico para fora da zona de congelamento e inércia, porque a bioquímica do entusiasmo é ativada. Estar em entusiasmo é estar plena de Deus.

O perfeccionismo funciona melhor quando passamos a olhar para ele como uma experiência vivencial. Como um modo de ser e não como único modo de ser. Essa é a semente criativa da renovação.

Desenvolvendo nossa capacidade criativa podemos conseguir transformar qualquer tipo de situação. Mesmo os momentos difíceis da vida, como a dor ( emocional e cronificada no corpo ) possibilitam uma evolução e um crescimento. É como segurar a vida com as próprias mãos, deixando os sentimentos de culpa de lado, parando com as lamentações, vencendo a timidez. Apenas experimentando esse caminho sagrado, simplemsnte ivendo o mistério da vida no corpo sem se controlar os resultados de tudo. Não se preocupe. Seu corpo tem um sistema interno de autogerenciamento maravilhoso! Você tem acesso à potencia criativa do seu inconsciente através do seu corpo!

“Vosso coração conhece em silêncio os segredos dos dias e das noites. Mas vossos ouvidos anseiam por ouvir o que vosso coração sabe”, nos diz Gibran em sua sensibilidade profunda e verdadeira. Ouça-o. Não há transformação psíquica sem escuta do corpo, sem escuta de você.

Vou aqui te dar uma simbologia interpretativa que pode começar a te ajudar nesse processo. É generalista, então provavelmente haverá partes dela que ressoarão em vc e outras que não, ou até nenhuma delas ou todas elas. Bem... vamos ver, não é ? Mas a ideia é ajudar a perceber a potencia criativa que há na fibromialgia.

O sistema muscular, em Alquimia, está associado ao elemento Terra. Pense a Terra. Veja a terra árida do sertão. Veja a terra mole da argila. Veja a terra fofa das plantações. São estados de Terra em algumas de suas combinações: terra com fogo, terra com água e terra com ar. Diga-me: o que é a carne seca? É músculo desidratado, certo. Qual a aparência de uma carne seca? Algo duro, sem flexibilidade, sem a possibilidade do movimento a não ser que seja reidratado de alguma maneira. Em linguagem alquímica, diríamos que é uma Terra Tartarizada, a terra de um único caminho. é um excesso de terra, portanto, e escassez de água.

A água associa-se à emoções, sensibilidade, flexibilidade. Secamos a água através do fogo, do calor, do Sol excessivo. A raiva da castração secando a água da emoção e tartarizando a terra em uma única posição: essa é uma descrição em linguagem alquímica do que pode ser descrito como fibromialgia.

Agora, o que é interessante retomar aqui, pois já falamos um pouco sobre isso em post anterior (veja o post em destaque), é que parece haver uma linha comum entre Signos de Terra destacados no Mapa Astrológico e padrão comportamental perfeccionista, DTM e/ou fibromialgia. Não estou falando aqui de uma pesquisa científica, mas de experiência empírica de consultório.

No caso de Ermínia, isso era assustadoramente evidente. Agora, veja, em Astrologia, todos signos de Terra guardam em si associação direta com o cuidar da Natureza, da Mãe Terra. Eles falam de trabalho corporal, falam muito de trabalho manual, artesanato, por exemplo.

Sim, a Terra estrutura, dá forma, impõe limites, demanda concretização. Temperada com água e ar, permite que a semente, absorvendo luz do sol e na magia da fotossíntese, torne-se berço da vida que alimenta a vida. E é esse cuidado com a própria terra que o Mapa de Erminia estava exigindo dela. Assim, como parece exigir de todas as pessoas com signos de terra destacados no Mapa, em maior ou menor grau.

A conexão com movimentos ecológicos de cura da Mãe-Terra, com os ciclos da Lua, com equinócios e solstícios, com as formas de arte, artesanato ou “arteirices”, escutar sons graves que te colocam mais em contato com a segurança do chão, práticas de grownding, movimentar-se lenta a vagarosamente como uma tartaruga ou um bicho-preguiça em movimentos que mais parecem um espreguiçar-se numa profunda respiração... São formas de um novo posicionamento, de um novo olhar para si menos retilíneo e mais suavizado pela beleza das curvas.

Na fibriomialgia, a criança foi congelada no terror e impedida de vivenciar sua ingenuidade criativa. Traga-a de volta e você verá sua fibromialgia derreter-se dia-a-dia.

Ah... sim... Ermínia... ingressou no pilates, começou a resolver questões burocráticas e afetivamente dolorosas em relação ao inventário de seu pai... e está trabalhando ativamente na aceitação das diferenças.

Um beijo grande!