quarta-feira, 28 de junho de 2017







“A filósofa e psicóloga Jean Houston conta a seguinte história sobre uma série de encontros que teve quando menina e que mudou a sua vida:


‘Quando eu tinha 14 anos, meus pais se divorciaram e eu fui dominada pela tristeza. Passei a correr pela Park Avenue, atrasada para a escola – corria da minha tristeza. E um dia esbarrei em um senhor e o derrubei no chão. Eu o ajudei a se levantar e ele disse com um sotaque francês: ‘Você pretende correr desse jeito pelo resto da sua vida’?
Respondi: ‘Sim, senhor, parece que sim’.
Ele disse: ‘Então, bon voyage’!
Retruquei: ‘Bon voyage’. E corri para a escola. Na semana seguinte, estava andando com meu Fox Terrier, Champ, e vi o senhor saindo de um prédio. Eu morava na rua 86, perto da Park Avenue, e o senhor vivia na altura do 84 com a Park.
Ele me disse: ‘Ah, minha amiga corredora, você tem um Fox Terrier. Para onde está indo’?
‘Eu sempre levo o Champ para passear no Central Park depois da escola e fico pensando nas coisas’.
‘Uma hora dessas eu vou acompanha-la, está bem’?
Eu disse: ‘Claro, pode ser’.
‘Vou fazer minha caminhada’.
Ele era impressionante. Não era nenhum pouco acanhado. Ele extravasava no mundo. Tinha um nome francês cumprido, mas pediu que lhe chamasse pelo primeiro nome, que aos ouvidos americanos soava como ‘Sr. Tayler’. Então eu o chamava de Sr. Tayler. Caminhamos juntos por cerca de um ano e meio, intermitentemente, em geral às terças e quintas. De repente ele se abaixava e olhava uma lagarta: ‘Olhe, Jean, olha a lagarta! Ah, se mexendo, mudando, se transformando, fazendo a metamorfose. Jean, sinta-se como uma lagarta. Você consegue’?
‘Facilmente, Sr. Tayler’. Quer dizer, ali estava eu, uma menina de 14 anos com quase 1,80 metro de altura e com pontinhos vermelhos na cara – eu me sentia como uma lagarta!
Ele disse: ‘O que você é quando enfim se torna um papillon, uma borboleta? Como é a borboleta Jean’?
‘Bem, eu acho que quando eu crescer vou voar pelo mundo afora, e talvez eu ajude as pessoas’.
‘Ah? Bon, bon, bon’. Ele dizia: ‘Ah Jean, se encoste no vento’! Eram ventos fortes os que corriam pelo Central Park. ‘Ah, Jean, sinta o cheiro do vento! O mesmo vento que passou por Jesus Cristo’.
‘Jesus Cristo sentiu isso’?
‘Sim. Marie Antoniette, lá vem ela! Genghis Khan, não tão bom. Joana D’Arc, Jeanne D´Arc! Se deixe dominar pela Jeanne D’Arc! Se deixe dominar pelas marés da história’! Tínhamos um monte de brincadeiras maravilhosas sobre a vida: ‘Jean, olhe as nuvens, a caligrafia de Deus no céu’.
De repente ele parava e olhava para você, e ria e ria e ria sem parar, ele ria e você ria, então ele olhava para você rindo sem parar como se fosse uma casa apinhada que escondesse o Santíssimo. Eu ia para a casa e contava para a minha mãe: ‘Mãe, encontrei o senhor de novo e quando estou com ele deixo minha pequenez para trás’.
Um dia, já no fim de nossa caminhada, ele parou de repente, virou-se para mim e disse: ‘Jean, para você qual é a questão mais fascinante’?
Respondi: ‘É sobre história, senhor Tayler, e sobre o destino também. A gente pode tomar o caminho certo na história para ter um destino? Todos os meus amigos da escola falam da bomba atômica, e me pergunto se vou chegar até os meus 21 anos. Senhor Tayler, você sempre fala do futuro do homem como se tivesse um futuro; quero saber o que precisamos fazer para que o futuro continue a chegar’.
Ele disse: ‘ precisamos de mais especialistas no espírito que conduzam as pessoas no caminho da autodescoberta’.
‘Do que o senhor está falando, senhor Tayler?’
Ele disse – e foi exatamente isso o que ele disse; tomei nota porque sabia que estava na presença da grandeza: ‘Estamos sendo chamados a uma metamorfose, a uma ordem bem superior e no entanto, normalmente, agimos com uma porção mínima de nós. É preciso aumentar essa porção. Mas não pense nem por um minuto, Jean, que estamos sozinhos na tentativa de tornar isso possível. Somos parte de um movimento revolucionário cósmico que nos inspira a nos unir a Deus. É um lampejo de todas as nossas potencialidades. É uma grande causa originadora de nossas mudanças. Sem isso não há nada além do combate e do declínio’.
Eu lhe disse: ‘Que nome se dá a isso? Nunca ouvi falar. Será que uma coisa grandiosa assim pode ter nome’?
‘Você tem razão’, ele declarou. ‘É impossível nomear’.
‘Bom, tente nomear, senhor Tayler. Já ouvi dizer que, depois que damos nome às coisas, podemos trabalhar nelas’.
Ele pareceu satisfeito e disse: ‘Vou tentar’. E depois disse: ‘É a demanda do Universo pelo nascimento do ultra-humano. É o surgimento de uma nova forma de energia psíquica em que as profundezas do amor que existe dentro de você são misturadas ao que há de mais essencial no fluxo da corrente cósmica’.
Não entendi o que estava dizendo, mas assenti como se fosse uma sábia, e declarei que ponderaria tudo isso, e ele afirmou que também o faria. Um dia já no fim do nosso tempo juntos – na verdade foi no último dia que o vi, o senhor Tayler começou a me falar do encanto de tornar-se, uma expressão que passou a fazer parte da minha linguagem e também de como nós, humanos, somos parte de um processo evolucionário em que somos puxados em direção a algo – ele chamou de ‘ponto ômega’ – repleto de evolução. Ele me disse que acreditava que a energia física e espiritual estava sempre emanando do ponto ômega e nos dando forças e também conduzindo adiante através do amor e da iluminação. E foi então que lhe fiz minha grande pergunta, aquela que admito que me persegue todos os dias da minha vida: ‘Qual você acha que é o sentido disso tudo, senhor Tayler’? A resposta dele está guardada como uma relíquia em meu coração. Ele começou dizendo: ‘Je crois’ – eu acredito. ‘Acredito que o Universo está em evolução. Acredito que a evolução é em direção ao espírito. Acredito que o espírito se realiza em um Deus Pessoal’.
‘E no que o senhor acredita a seu respeito, senhor Tayler’?
Ele disse: ‘acredito que sou um peregrino do futuro’.
Foi na quinta-feira anterior ao domingo de Páscoa, em 1955. Eu havia lhe trazido a concha de uma lesma. ‘Ah! Escargot’, ele exclamou, e então passou quase uma hora tagarelando com entusiasmo sobre espirais, natureza, arte, conchas de caramujos, galáxias, o labirinto no chão da Catedral de Chartres – que mais tarde se tornaria o símbolo do meu trabalho, da rosácea, das convoluções do cérebro, e do redemoinho de flores e da circulação do sangue pelo coração. Tudo acabava na espiral de evolução do espírito e da matéria. ‘É tudo uma espiral do vir a ser, Jean’. Então ele olhou para o outro lado e pareceu enxergar o futuro: ‘Jean, as pessoas da nossa época, do final desse século, vão segurar o timão do mundo. Mas não podem seguir diretamente’. Ele usou a palavra francesa directement. ‘Você tem que seguir em espirais, lidando com todos os povos, todas as culturas, todos os tipos de consciência. Será então que a novidade no campo da mente surgirá e reconstruiremos a Terra’. Então ele me disse: ‘Jean, seja sempre verdadeira consigo mesma, mas sempre suba em direção à consciência suprema e ao amor supremo’. Foram essas as palavras dele. Em seguida, disse: ‘Au revoir, Jean’.
Au revoir, senhor Tayler, nos vemos na terça’!
E terça-feira chegou e levei Champ e Champ choramingou. Parecia saber de alguma coisa. Meu velho amigo nunca apareceu. Quinta, terça, quinta. Aguardei por oito semanas e ele nunca mais apareceu, pois ao que consta, ele faleceu naquele domingo de 1955.
Anos depois, alguém me deu um livro sem capa intitulado O Fenômeno Humano. E quando comecei a lê-lo, eu disse: ‘Meu Deus! Esse é meu amigo, esse... meu Deus do céu...’. Eu fui à minha amiga e pergunte: ‘Você tem a capa desse livro’? E ela me deu a capa e olhei e, claro, ali estava meu velho amigo. Não tinha como me esquecer daquele velho rosto! O senhor Tayler era Teilhard de Chardin.
Teilhard de Chardin foi um grande filósofo francês, padre jesuíta e autor prolifico. Essa história adorável a respeito dele é, para mim, um exemplo perfeito de alguém vivendo a pleno vapor até o fim: brincalhão, generoso, curioso, transbordando de generatividade (o que a Doutora Houston chama de ‘ex-travazar no mundo’) – inspirando uma menina a se tornar ‘peregrina do futuro’, a agir com mais do que ‘uma porção minúscula de si’.
Comecei – bem tarde na vida – a sentir a euforia de não mais agir como uma ‘porção minúscula’ de mim mesma. Meu desejo é que todos nós vivenciemos isso e, assim, nos tornemos ‘peregrinos do futuro’, usando nossa vida para nos tornar completos – para desenvolvermos nossos corpos, nossas mentes, nossos corações e nossas almas afim de nos tornarmos tudo o que podemos ser e usarmos isso para algo além de nós mesmos”.

Trecho extraído do livro Jane Fonda – O Melhor Momento, de Jane Fonda.

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