Acredito que um livro de
leitura obrigatória para nós, mulheres, é “Mulheres que correm com Lobos”.
Escrito por Clarissa Estés, analista junguiana, é o tipo de livro profundo, no
qual entramos de um jeito e saímos de outro. Não é um livro para ler com a
cabeça cartesiana, mas com o coração amplo.
Talvez muitas de nós já o
tenha lido, mas mesmo assim, arrisco em compartilhar aqui algumas de suas
páginas, porque vale a pena! Em temos de Ecofeminismo, de empoderamento da
Mulher, mesmo tendo sido escrito em 1992, ele me parece absurdamente atual.
Gostaria de começar pelo
capítulo que fala sobre o quanto podemos ser vítimas de um predador interno (
ou externo ? ) a partir do momento em que insistimos em ser ingênuas o
suficiente para não acreditarmos em nossa instintiva intuição.
Vamos lá ?
“Num único ser humano existem
muitos outros seres, todos com seus próprios valores, motivos e projetos. ( ...
) Nossa tarefa consiste em criar para todos esses seres uma paisagem selvagem
na qual os artistas entre eles possam criar, os amantes amar, os curandeiros
curar.
Mas o que devemos fazer com
esses seres interiores que são completamente loucos e com aqueles que destroem
sem pensar? Mesmo a esses deve ser atribuído um lugar, muito embora seja um
lugar que os possa conter. Uma entidade em especial, o fugitivo mais traiçoeiro
e mais poderoso na psique, exige nossa conscientização e contenção imediatas –
e esse é o predador natural.
Existe dentro de nossa
psique uma força voltada “contra a natureza”, que habita em nosso lado pathos, patológico e se nutre de nossa
pulsão de morte. Ele nos esvazia, nos desintegra, nos deixa amortecidas. É debochado
e assassino e cresce dentro de nós independente da criação que tivemos.
No entanto, é ele que nos
coloca num caminho de iniciação, que marca nossa passagem pela adolescência, e
nos faz conhecer forças dentro de nós que, a não ser que o encaremos, nunca
seremos capazes de reconhecer e integrar a nossa estrutura de personalidade. É
ele quem nos coloca no caminho de sermos mulheres plenas, com autonomia
psicológica, individuadas, conscientes de si.
Mas... ele nos testa...
muito... e para lidar com ele, precisamos ativar nossa capacidade intuitiva,
nossa resistência, nossa percepção aguçada, nosso alcance de visão, nossa
audição apurada e nossa capacidade instintiva de cura.
Em seu livro, Clarissa
utiliza o conto do Barba-Azul para estimular este resgate em nós. Nesse conto
de fadas, o Barba-Azul, enquanto o homem-predador-carcereiro, “simboliza um
complexo profundamente recluso que fica espreitando às margens da vida da
mulher, observando à espera de uma oportunidade para atacar”. Esse arquétipo é
inato, portanto, em algum ponto da vida, normalmente no fundo do poço, nos
vemos obrigadas a nos confrontar com ele, ou então, sucumbiremos à morte –
física ou psíquica.
Nós
nos colocamos nas mãos do Barba-Azul no exato momento em que nos opomos à nossa
intuição e nos recusamos a reconhecer que “essa força maligna é o que é”.
Predadores são predadores e ponto. Não compreender isso significa ficarmos vulneráveis
à nossa própria ingenuidade e insensatez, não importando nossa idade cronológica.
Estamos falando aqui de amadurecimento psíquico, lembre-se !
Quem de nós já não tentou
converter um Barba-Azul? Adestrá-lo, domesticá-lo, seduzi-lo ou então considerá-lo
simplesmente um excêntrico incompreendido? Esse erro de raciocínio é muito frequente em nós,
mulheres, que ainda carregamos as informações de uma cultura patriarcal, onde o
feminino é desqualificado e castrado.
Quando nossa Adolescente Ingênua se casa
com um Barba-Azul a quem não reconhece enquanto tal, é este padrão que reforçamos e, ao
invés de vivermos livremente, começamos a viver falsamente a partir de padrões que não tem correspondência interna com a nossa verdade, drenando nossas
forças, amordaçando-nos e amortecendo-nos em nome de algo que já nem sabemos
exatamente o que é. Promessas... promessas... promessas... que nunca se
concretizam... mas nas quais acreditamos porque achamos que nunca seremos
capazes de alcança-las se não for de outra maneira, não é mesmo ?
A sensação do medo, da
solidão, da incapacidade vem às nossas mentes e aos nossos corações e travam
nossas pernas.
E o que fazer ? Como sair disso ? Precisamos recuar e dar a
volta.
“Recuar e dar a volta são movimentos de um animal que se enfurna na
terra para fugir e aparecer de novo às costas do predador. Essa é a manobra
psíquica que a esposa do Barba-Azul efetua para restabelecer o domínio sobre
sua própria vida”.
O autoconhecimento é uma
profunda ferramenta que nos ajuda a “recuar e dar a volta”, porque nos ajuda a
perceber o contexto a partir de uma nova perspectiva e uma vez“tendo perdido a
ingenuidade" a respeito de nós mesmas, passamos a nos tornar astutas. "Ela pede tempo para se compor – em outras
palavras, tempo para se recompor para o combate final.
Na realidade externa,
encontramos mulheres planejando suas fugas, seja de um estilo destrutivo, de um
amante, seja de um emprego, ou até mesmo de um filho. Ela pára para ganhar tempo, ela espera a hora certa,
ela planeja a sua estratégia e reúne suas forças interiores antes de realizar
uma mudança externa. ”
É muito comum, nestes
momentos, sentirmos um cansaço absurdo, pois nossa energia psíquica está sendo
puxada para lados opostos de nós mesmas. Nosso sistema imunológico sofre,
ficamos doentes, como querendo “dar um tempo”, mas, não importa o que aconteça,
mesmo exaustas, precisamos continuar a planejar a nossa fuga. Dormir aqui seria
morte certa. E é essa a “iniciação mais profunda”.
“É esse o momento no qual a
mulher cativa passa da condição de vítima para a condição de alguém com a mente
afiada, os olhos astuciosos, a audição apurada. É essa a hora na qual um esforço
quase sobre-humano consegue impelir a psique exausta para que se realize sua
última tarefa”.
Assim, como temos em nós um
Barba-Azul que projetamos sobre parceiros que nos drenam, temos também uma
energia psíquica que nos ajuda a realizar qualquer coisa que queiramos. Em
Alquimia, damos o nome de Matrix, a força criativa em nós, que promove a vida,
que nos conecta à profunda Natureza, que nos resgata enquanto mulheres
individuadas, confiantes, desenvoltas e seguras.
Nosso predador mira no que
há de frágil, ingênuo e carente em nós. Portanto, reconhecer cada um destes
pontos é o primeiro passo para a cura. Não permitir que alguém o manipule é o
segundo e assumir em vc mesma a responsabilidade por curá-los é o terceiro.
Não negamos nosso predador
interno. Nós o encaramos, o desarmamos e o transformamos em material para
criação de nós mesmas! Isso é bem forte e libertador !
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