terça-feira, 17 de outubro de 2017

A relação Feminino-Masculino e a Dificílima Arte de Amar

Aproveitando a Lua em Libra, vamos aprofundar nossa reflexão lançando um olhar Junguiano sobre a relação Mulher-Homem e a difícil Arte de Amar.


Homens e Mulheres são polaridades de uma androgenia anterior.
No olhar alquímico, a composição da energia masculina é basicamente feita sobre o fogo e a terra, quentes e secos, enquanto a composição feminina é fria e úmida, com a predominância de ar e água.
Estes dois aspectos compõem o que chamamos de serpente de pai e serpente de mãe, cuja integração deve existir em cada Ser para que a saúde, em todos os níveis, possa ser mantida.
Sol e Lua funcionando conjuntamente. Esta é a ideia.
E este é o desafio nosso de cada dia em nossa gradativa formação de Consciência do que é ser homem e do que é ser mulher.
É através do relacionamento com o outro, no sentido de Eu/não-Eu que essa identidade se forma. Vou descobrindo quem eu sou, junto com a descoberta de quem eu não sou.
Mas, quando no meio do caminho, problemas ocorrem, essa diferenciação, que para a criança é feita a partir do relacionamento com os cuidadores, problemas em relação ao ser no mundo irão ocorrer. No decorrer dos anos, estas dificuldades serão projetadas nas relações futuras, e, a julgar pelo que vem ocorrendo em termos de História da Humanidade, não estamos nos saindo muito bem....
E o ponto é básico: não sabemos reconhecer o outro como ser desejante porque não reconhecemos partes de nós que pulsam na Sombra Inconsciente. Se não me reconheço em mim, como vou reconhecer o outro? Como vou amar o outro???
Precisamos reconhecer que nossos filhos existem, sonham, desejam, sentem dor, sentem frio, sentem fome... e não estou me limitando aqui ao nível físico da coisa.
Precisamos reconhecer que há uma criança em nós que sente frio, fome, sede e necessidade de aconchego...
Precisamos compreender que a função estruturante do amor só pode ser profundamente elaborada e vivenciada quando o homem e a mulher se tornam capazes de se conhecer ao exercerem plenamente a posição dialética, que inclui os Arquétipos da Alteridade, da Anima e do Animus. Ou seja, no relacionar-me com minhas energias masculina, feminina em mim e no outro.
Essa elaboração é inseparável da liberdade, da consideração mútua e dos direitos iguais para o desenvolvimento do homem e da mulher como companheiros no processo de individuação de cada um.
Isto é muito complexo, não é um fim em si. Diria que é muito mais um processo de profundo autoconhecimento, exercício que dura a vida toda, mas sem o qual não conseguiremos avançar enquanto coletividade.
Aqui está o grande desafio, conhecer minha totalidade significa também reconhecer o que há de Sombra em mim. Não há como escapar disso, não importa o discurso que se tenha.
Durante a dominância matriarcal da pré-história predominaram os mitos de fertilidade, nos quais grandes deusas e deuses propiciam as forças da natureza. As religiões panteístas bem expressaram o culto das divindades como forças criadoras da fertilidade da natureza. Na realidade, os grandes deuses também expressam a criatividade da fertilidade.
Mas com a dominância patriarcal que gradativamente passou a existir e dominar o pensamento humano, algo se perdeu e se desequilibrou profundamente. Passamos a nascer de parte de um homem, Lillith foi esquecida enquanto mulher que se recusou a ser submissa. E as consequências nós conhecemos bem....
Homofobia, preconceito, bruxas queimadas, mulheres violentadas, o diferente assassinado, a sensualidade controlada e deturpada.
Aos poucos nos viramos para o Mito do Buda no Oriente e pelo Mito Cristão no Ocidente, com um Jesus completamente revolucionário que a Igreja insiste em esconder. Não importa... modificações gradativas começaram a abalar significativamente a dominância da organização patriarcal e a desigualdade da relação feminino-masculino.
A segunda metade do século XX apresentou o início dessas grandes mudanças nas sociedades ocidentais. Junto com os movimentos em prol dos direitos humanos, o desenvolvimento tecnológico e médico alterou fundamentalmente a relação homem mulher.
A descoberta dos anticoncepcionais e da função do clitóris no orgasmo da mulher; sua profissionalização progressiva; a despatologização e admissão da homossexualidade dentro do desenvolvimento dos direitos humanos; o estímulo ao desenvolvimento da afetividade do homem; a queda do muro de Berlin, com o término da guerra fria; a pacificação relativa dentro da globalização e o desenvolvimento fantástico da comunicação foram decisivos para propiciar o crescimento intenso da liberdade de desenvolvimento do homem e da mulher e da sua busca de um diálogo profundo para o seu conhecimento recíproco e o seu relacionamento amoroso.
Infelizmente, porém, o reacionarismo de muitas culturas dominantemente patriarcais não só não diminuiu como, compensatoriamente, até mesmo aumentou.
Ainda convivemos com nossa Sombra, com a intensificação do que há de mais retrógrado em muitas sociedades, centradas na miséria, no atraso social e na opressão conjugal e intelectual da mulher pela exacerbação da organização patriarcal repressiva tradicional nessas sociedades.
Até em função disso, e deformado pelas muitas defesas estruturadas nos milênios de opressão, o feminismo seguiu, principalmente na segunda metade do século XX, um caminho de autossuficiência, prepotência e competição com o homem pelo poder, baseado nas mesmas deformações do machismo que, através dos tempos, inviabilizaram a capacidade de amar do homem.
Nós mulheres nos tornamos fálicas... numa espécie de competição, atrelada a uma relação de poder.
Esvaziamos nossos corpos, e caminhamos sombriamente para o exibicionismo, a promiscuidade sexual compulsiva, a gravidez precoce, as doenças sexualmente transmissíveis e uma profunda desorientação existencial que nos afastou da autorrealização profissional e amorosa que pensamos ter conseguido.
Aos poucos, porém, estamos retomando nosso equilíbrio hermafrodita percebendo os descaminhos dessa busca, que, devido às inúmeras atitudes defensivas adotadas, precisam ser elaborados e modificados. Com isso, o movimento feminista vem abordando ultimamente seu grande desafio, que é a realização profissional, com a conquista da independência financeira junto com a manutenção da sua riqueza afetiva no relacionamento com o homem, com os filhos e com o lar, os quais no passado contribuíram para o seu cerceamento, mas que hoje precisam ser integrados na sua autorrealização.
Sim! Estamos avançando, mas ainda há muito por fazer para que, de fato, possamos ser capazes de amar plenamente a nós e ao outro em sua plenitude divina.
Vamos em frente, então! Temos uma herança de aprendizagem que precisa ser deixada aos nossos filhos, na esperança de um mundo melhor.
Um grande beijo !


Texto baseado em Artigo publicado na Junguiana, Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, nº 32-1, junho de 2014, São Paulo, SP. 

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