Aproveitando a Lua em
Libra, vamos aprofundar nossa reflexão lançando um olhar Junguiano sobre a
relação Mulher-Homem e a difícil Arte de Amar.
Homens e Mulheres são
polaridades de uma androgenia anterior.
No olhar alquímico, a
composição da energia masculina é basicamente feita sobre o fogo e a terra,
quentes e secos, enquanto a composição feminina é fria e úmida, com a
predominância de ar e água.
Estes dois aspectos compõem
o que chamamos de serpente de pai e serpente de mãe, cuja integração deve
existir em cada Ser para que a saúde, em todos os níveis, possa ser mantida.
Sol e Lua funcionando
conjuntamente. Esta é a ideia.
E este é o desafio nosso de
cada dia em nossa gradativa formação de Consciência do que é ser homem e do que
é ser mulher.
É através do relacionamento
com o outro, no sentido de Eu/não-Eu que essa identidade se forma. Vou descobrindo quem eu sou, junto com a descoberta de quem eu
não sou.
Mas, quando no meio do
caminho, problemas ocorrem, essa diferenciação, que para a criança é feita a
partir do relacionamento com os cuidadores, problemas em relação ao ser no
mundo irão ocorrer. No decorrer dos anos, estas dificuldades serão projetadas
nas relações futuras, e, a julgar pelo que vem ocorrendo em termos de História
da Humanidade, não estamos nos saindo muito bem....
E o ponto é básico: não
sabemos reconhecer o outro como ser desejante porque não reconhecemos partes de
nós que pulsam na Sombra Inconsciente. Se não me reconheço em mim, como vou
reconhecer o outro? Como vou amar o outro???
Precisamos reconhecer que
nossos filhos existem, sonham, desejam, sentem dor, sentem frio, sentem fome...
e não estou me limitando aqui ao nível físico da coisa.
Precisamos reconhecer que
há uma criança em nós que sente frio, fome, sede e necessidade de aconchego...
Precisamos compreender que
a função estruturante do amor só pode ser profundamente elaborada e vivenciada
quando o homem e a mulher se tornam capazes de se conhecer ao exercerem
plenamente a posição dialética, que inclui os Arquétipos da Alteridade, da
Anima e do Animus. Ou seja, no relacionar-me com minhas energias masculina,
feminina em mim e no outro.
Essa elaboração é
inseparável da liberdade, da consideração mútua e dos direitos iguais para o
desenvolvimento do homem e da mulher como companheiros no processo de
individuação de cada um.
Isto é muito complexo, não
é um fim em si. Diria que é muito mais um processo de profundo autoconhecimento,
exercício que dura a vida toda, mas sem o qual não conseguiremos avançar
enquanto coletividade.
Aqui está o grande desafio,
conhecer minha totalidade significa também reconhecer o que há de Sombra em
mim. Não há como escapar disso, não importa o discurso que se tenha.
Durante a dominância
matriarcal da pré-história predominaram os mitos de fertilidade, nos quais
grandes deusas e deuses propiciam as forças da natureza. As religiões
panteístas bem expressaram o culto das divindades como forças criadoras da
fertilidade da natureza. Na realidade, os grandes deuses também expressam a
criatividade da fertilidade.
Mas com a dominância
patriarcal que gradativamente passou a existir e dominar o pensamento humano,
algo se perdeu e se desequilibrou profundamente. Passamos a nascer de parte de
um homem, Lillith foi esquecida enquanto mulher que se recusou a ser submissa.
E as consequências nós conhecemos bem....
Homofobia, preconceito,
bruxas queimadas, mulheres violentadas, o diferente assassinado, a sensualidade
controlada e deturpada.
Aos poucos nos viramos para
o Mito do Buda no Oriente e pelo Mito Cristão no Ocidente, com um Jesus
completamente revolucionário que a Igreja insiste em esconder. Não importa... modificações
gradativas começaram a abalar significativamente a dominância da organização
patriarcal e a desigualdade da relação feminino-masculino.
A segunda metade do século
XX apresentou o início dessas grandes mudanças nas sociedades ocidentais. Junto
com os movimentos em prol dos direitos humanos, o desenvolvimento tecnológico e
médico alterou fundamentalmente a relação homem mulher.
A descoberta dos
anticoncepcionais e da função do clitóris no orgasmo da mulher; sua
profissionalização progressiva; a despatologização e admissão da homossexualidade
dentro do desenvolvimento dos direitos humanos; o estímulo ao desenvolvimento
da afetividade do homem; a queda do muro de Berlin, com o término da guerra
fria; a pacificação relativa dentro da globalização e o desenvolvimento
fantástico da comunicação foram decisivos para propiciar o crescimento intenso
da liberdade de desenvolvimento do homem e da mulher e da sua busca de um
diálogo profundo para o seu conhecimento recíproco e o seu relacionamento
amoroso.
Infelizmente, porém, o
reacionarismo de muitas culturas dominantemente patriarcais não só não diminuiu
como, compensatoriamente, até mesmo aumentou.
Ainda convivemos com nossa Sombra,
com a intensificação do que há de mais retrógrado em muitas sociedades,
centradas na miséria, no atraso social e na opressão conjugal e intelectual da
mulher pela exacerbação da organização patriarcal repressiva tradicional nessas
sociedades.
Até em função disso, e deformado
pelas muitas defesas estruturadas nos milênios de opressão, o feminismo seguiu,
principalmente na segunda metade do século XX, um caminho de autossuficiência,
prepotência e competição com o homem pelo poder, baseado nas mesmas deformações
do machismo que, através dos tempos, inviabilizaram a capacidade de amar do
homem.
Nós mulheres nos tornamos
fálicas... numa espécie de competição, atrelada a uma relação de poder.
Esvaziamos nossos corpos, e
caminhamos sombriamente para o exibicionismo, a promiscuidade sexual
compulsiva, a gravidez precoce, as doenças sexualmente transmissíveis e uma
profunda desorientação existencial que nos afastou da autorrealização
profissional e amorosa que pensamos ter conseguido.
Aos poucos, porém, estamos
retomando nosso equilíbrio hermafrodita percebendo os descaminhos dessa busca,
que, devido às inúmeras atitudes defensivas adotadas, precisam ser elaborados e
modificados. Com isso, o movimento feminista vem abordando ultimamente seu
grande desafio, que é a realização profissional, com a conquista da
independência financeira junto com a manutenção da sua riqueza afetiva no
relacionamento com o homem, com os filhos e com o lar, os quais no passado
contribuíram para o seu cerceamento, mas que hoje precisam ser integrados na
sua autorrealização.
Sim! Estamos avançando, mas
ainda há muito por fazer para que, de fato, possamos ser capazes de amar
plenamente a nós e ao outro em sua plenitude divina.
Vamos em frente, então!
Temos uma herança de aprendizagem que precisa ser deixada aos nossos filhos, na
esperança de um mundo melhor.
Um grande beijo !
Texto baseado em Artigo
publicado na Junguiana, Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia
Analítica, nº 32-1, junho de 2014, São Paulo, SP.